Na Suíça faz frio quase o ano inteiro. Quando faz calor, bate um desespero. Para onde ir? Tem gente aqui, maioria suíços, que fecha todas as janelas e fica no escurinho do apartamento com medo do sol. Isso exite mesmo, é realidade. Subiu a temperatura, as persianas se fecham e as pessoas ficam nas casas escuras como se fossem vampiros com medo da luz. Outros vão para a França ou para a Itália atrás das praias. Quem fica tem apenas duas opções: fazer como alguns suíços e sucumbir a loucura de fingir que o calor não existe ou ir para as piscinas públicas e lagos.
As piscinas funcionam no esquema pagou, entrou. Cada cidade tem uma e as cidades maiores têm várias. A de Wettingen é motivo de orgulho para a população. Apesar dos míseros 17 mil habitantes, o piscinão local é um complexo com três piscinas externas, mais uma pequena com trampolins, duas piscinas aquecidas, parquinho infantil, quiosque de sorvete, restaurante e um gramado gigante. Aliás, todas as piscinas públicas, até as mais modestas, têm um gramado grande e pelo menos uma piscina para adultos e outra para crianças pequenas.
Não é feito nenhum tipo de exame físico para entrar, ninguém procura micose no pé de ninguém e por isso mesmo a água das piscinas pulveriza no ar um odor de cloro por quilômetros. A quantidade deve ser colossal. Os lagos e as piscinas biológicas (poucas) são uma opção bem mais saudável. Contam com a mesma infraestrutura das piscinas tradicionais: vestiários, banheiros com chuveiro, redes de volley, quiosque com fast food, restaurante e parquinho para crianças. Alguns lagos recebem até caminhões de areia nas bordas para fingir ser uma prainha natural. O problema é a água. Não, essa não fede cloro, geralmente é muito limpa mas é tão aburdamente gelada que fica difícil até aquele molhar de pezinhos aos pulos…. imagine então o corpo inteiro… Fora que para chegar na água tem pedra, tem alga, tem lodo e tem gente na frente.
Eu prefiro as piscinas. Respiro fundo e passo pela catraca rezando para nenhuma doença de pele me pegar. Hoje tinha um bafo e lá fomos nós nos refrescar no jardim publico que circunda a piscina cheia de cloro. Enquanto minha filha brincava na água, descansei torrando no sol e, como sempre, aproveitei para espiar a vida alheia. Claro, nestas piscinas não existe privacidade. Quanto mais calor, maior a multidão. Muitas vezes é difícil até achar um pedaço de grama vago como nas praias do Brasil no verão. Nos domingos de sol todo mundo se espreme, lado a lado. Então, bem espremida, olhei pros lados.
Ao meu lado esquerdo uma família, vejam só como é a vida, do leste europeu, de algum país ex comunista governado por ditador milionário. Pai, mãe e quatro filhos. Talvez muçulmanos liberais. As mulheres permaneceram de roupa o tempo todo e só os homens tinha trajes de banho. Sentavam em círculo com um amontoado de comidas no meio. A genética ali era clara, apesar de alguns mais gordos e outros quase esqueléticos, todos tinham olheiras profundas e uma arcada dentária inferior projetada para frente.
Do meu lado direito, uma brasileira casada com um italiano e a filha pré adolescente. Era a única criança que berrava de longe chamando a mãe. “Mainha, mainha, tô aperreada com a senhora”. A mainha no caso era uma moça de no máximo vinte e cinco anos. A comunicação entre o casal era como de costume por aqui. Ela falava português, ou algo parecido, e ele italiano.
Atrás de mim, quase podia sentir os pezinhos com as unhas pintadas de azul da moça bonita que conversava com o namorado. Sentados sobre um cobertor peludo – suíço não deve nem saber o que é isso – conversavam exaltados sobre alguma coisa. Parecia uma discussão de casal. Impossível saber, ao menos que eu falasse a língua do Z. “pzlbrncizcizlmntziczicprcvicprchivcvrtztztzt” ele dizia bravo. Ela respondia: “plrtzicprktzicztrpslzicziczic”.
Bem ao lado do casal mais uma família cheia de filhos. Desta vez sem o pai. Apenas a mãe e cinco meninos. Durante três horas eles comeram. Da bolsa da mãe, que parecia um saco de mágico, saltavam iguarias. Primeiro foi um bolo com cobertura. Depois donuts cobertos de chocolate derretido pelo sol. Salgadinhos alaranjados que se confundiam com o cheiro do pé da moça de unhas azuis. Entre cada refeição, a mãe ordenava que os filhos fossem limpar as bocas e as mãos. Os menores corriam para a piscina, se jogavam e retornavam limpinhos para uma nova rodada.
Tem gente que já é conhecida de tantos encontros na piscina. Há anos vejo o mesmo senhor de sunga. Bonito, alto, magro, todo ano ele fica mais marrom. E tem a turma jovem que parece saída do filme Cry Baby, inclusive com um clone da cara de machado. Tudo intuitivo. Nesta turma todos falam suíço alemão mas não da para saber de onde eles saíram. A chefa da turma é uma mulher de vinte e poucos anos, gigante. Altíssima, tem as costas largas definidas pela musculação. O corpo é perfeito, quase masculino de tão duro. Os cabelos são pintados de loiro branco e as unhas das mãos – enormes – e dos pés – gigantescos – são compridas e pintadas de laranja. A turma Cry Baby anda de um lado para o outro o dia inteiro. O detalhe que me faz manter o olhar sobre eles, ano após ano, é que eles não conversam . Andam pra lá e pra cá calados.
Quando volto dessas piscinas sempre lembro de minha (ex) amiga norueguesa. Tão linda, tão loira natural, tão bem vestida, tão bem cuidada, tão culta, tão inteligente. Tão rica. Um dia me deu carona até em casa no seu Porsche modelo utilitário. Antes de sair do carro, dei uma ajeitadinha nas minhas sapatilhas Graceland, duas por 40 euros. Por tras do sorriso simulado dava para ver a cara de horror da norueguesa. Imagino ela na piscina.
No Schwimmbad Portal você encontra uma lista com endereço e descrição de todas as piscinas e lagos da Suíça. Eles mostram inclusive a temperatura da água de cada lugar.
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