A cidade é pequena mas a vista vale a pena:
Geralmente as pessoas optam por morar numa cidade pequena por causa da qualidade de vida. Eu não. Pouco ou nenhum trânsito, tudo perto, poluição zero, conhecer todo mundo… nada disso pra mim é mais atrativo do que não ter que cozinhar e poder pedir comida pelo delivery, contar sempre com taxis passando, poder ficar horas numa livraria gigante e principalmente, ser livre para escolher o que fazer e quando fazer porque as opções existem.
A Suíça é caríssima para morar. Zürich não dava, em Baden não tinhamos muitas opções então acabamos em Wettingen que nem mesmo quer ser uma cidade. Aqui e na Alemanha existe uma diferença entre “cidade” e “vilarejo”. As cidades (Stadt) devem preencher certos requistos de infraestrutura que os vilarejos (Dorf) não precisam. O número de babitantes é importante mas não define uma cidade. Por exemplo: Baden tem 17 mil habitantes e é uma cidade. Wettingen tem quase 18 mil e é um vilarejo. A questão é também política. Os conservadores adoram falar que tudo era sempre melhor em mil novescentos e pouco. Para eles, tudo é muito melhor numa cidadezinha que mantém suas tradições e não aceita nada nem ninguém que seja diferente. Não é por acaso que os Amisch americanos saíram da Suíça.
Para mim o que define um vilarejo é o tédio. Pode ser calmo, seguro (não sei não… Twin Peaks taí como prova…) mas não tem nada pra fazer. Acho que é exatamente por isso que os suíços e os alemães adoram fazer caminhadas. Só sobra andar nos lugares onde o único cinema só funciona à noite, não tem nenhuma livraria e os poucos restaurantes servem comida entre meio dia e duas da tarde.
Eu tinha uma amiga argentina, a Mariana, que organizava saraus literários em espanhol em Wettingen. Mariana era jovem, linda, muito culta e inteligente. Não sei o que ela estava fazendo aqui porque além de todos os outros adjetivos ela parecia rica, muito rica. O evento era aberto e grátis, num café onde ela mesma preparava delícias que eram servidas aos participantes. A idéia era ler e discutir Borges, Cortázar, García Márquez e outros. Na hora eu já pensei, nem se fosse um evento só para mulheres discutirem a obra de Isabel Allende, nem assim, ela teria gente suficiente para esses saraus. Dois anos depois, um dia encontrei a Mariana na rua e ela veio se despedir de mim. Estava indo morar em Zürich. “Para mi basta!” foi tudo o que ela disse.
Muitos dizem que a melhor coisa de morar numa cidadezinha é a proximidade com as pessoas. Todo mundo se conhece (mas isso não é um dos piores defeitos?), todo mundo se ajuda. Será?
Uma outra amiga minha, esta uma brasileira que mora aqui há vinte e cinco anos, tem uma história ótima. Certa vez ela queria fazer uma grande festa em sua casa para comemorar sei lá o quê. Já pensando que poderia incomodar os vizinhos, achou por bem convidar todos. Festa boa, a rua inteira compareceu em peso. Lá pelas dez da noite, a vizinha mais chata de todas, uma senhora de quase 80 anos; depois de comer e beber muito e conversar com todos, agradeceu a anfitriã e se despediu. A dona da casa insistiu no “fica mais um pouco” mas a senhora disse que estava cansada e com sono e que para ela era a hora da festa terminar. Acho que minha amiga não entendeu a mensagem subliminar.
Meia hora depois da senhora ter ido embora chegou um carro de polícia para pedir que a festa terminasse porque uma vizinha havia telefonado reclamando do barulho. Não preciso nem falar quem era essa vizinha.
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